Monday, February 18, 2013

MIL MILHAS DE 1965




Por Carlos de Paula
 
Em 1965 as Mil Milhas já eram, de longe, a prova mais tradicional do calendário brasileiro. Mas, coisas de Brasil, a corrida não era disputada desde os idos de 1961! No centro da questão estava a pergunta: quem tinha direito de realizar competições no Brasil? As brigas entre os Automóveis Clube e as Federações parecia chegar a um final, ou pelo menos uma trégua neste final de 65, com certeza devido à intervenção de um general de verdade, Elói Menezes. E esta era a época dos generais. Na véspera da corrida, uma surpresa: o Automóvel Clube do Brasil ameaçava suspender de atividades internacionais todos os pilotos que participassem da prova. Ou seja, no auge da participação das fábricas no automobilismo brasileiro, as Mil Milhas ficaram ausentes do calendário, e agora que a corrida voltava, as fábricas estavam ausentes. De qualquer forma a corrida foi disputada já no fim de 1965, após um ano muito disputado entre as fábricas, e as coisas pareciam estar tomando um rumo para o pior para as equipes oficiais. As Simca Abarth se foram para a Itália, havia rumores desconcertantes sobre a Vemag, e a Willys simplesmente não compareceu, receosa da retaliação (a equipe iria participar do Torneio de F-3 na Argentina no início de 1966, com o Gávea).
 
Camilo disparou na frente, mas quebrou. Sua vez chegaria...logo.
Isto não tirou o brilho das Mil Milhas de 1965. Lá estavam Camilo Christófaro e sua carretera, em dupla com Antonio Carlos Aguiar. Também presente, o grande gaúcho Catharino Andreatta, em dupla com seu filho Vittorio. E uma série de outras carreteras, como a de Caetano Damiani, Justino de Maio, Zé Peixinho, José Vera, Luiz Valente e o também grande Breno Fornari, com uma carretera “Simca”. A equipe Jolly apareceu com suas Alfas 25 e 23, com Emilio Zambello, Marivaldo Fernandes, Piero Gancia e Ruggero Peruzzi. Também corria um JK muito competitivo (já chamado FNM!), com Jaime Pistilli e Leonardo Campana, além de um sem número de DKWs, Gordinis/1093 e Simcas, perfazendo um total de 39 bólidos. Todos ameaçados de suspensão.
 
Caetano Damiani e Bica Votnamis chegaram em 2o. com a 34 
 
Briga entre Damiani e Gancia com a Alfa 23 antes de quebrar
Camilo Christófaro demonstrou a sua intenção de coroar um bom ano com a sua primeira vitória nas 1000 Milhas, e saiu na cola de Caetano Damiani, que largara melhor, logo passando para a ponta. Em terceiro outra carretera, de Justino, seguido das duas Alfas e de um FNM, de Ugo Galina. Catharino Andreatta estreava um motor, que amaciava na própria corrida, portanto não estava nas primeiras posições. O train de corrida foi vagaroso desde o início, nunca inferior a 4 minutos, e durante a noite, mais um cavalo foi atropelado numa Mil Milhas. Desta feita, o azarado foi Francisco Zeni, mas pelo menos saiu incólume do acidente. E Totó Porto filhou capotou com seu Gordini, também sem machucar-se.
  
Ruggero Peruzzi empurrando a Alfa 23, cujo tanque de gasolina quebrou: a esta altura, completamente intoxicado
Camilo e Aguiar lideraram durante um bom tempo, até as três e meia da madrugada. Na 73a volta, Camilo estaciona no Sargento, com quebra da ponta de eixo. Pelo menos Camilo e Aguiar ganharia a última corrida de 1965, as 250 Milhas. Assim Camilo/Aguiar deixara a liderança com Caetano Damiani, que fazia parceria com Bica Votnamis. Atrás deles já estava Andreatta, que assumiu a liderança às 6:30. Infelizmente, a última 1000 Milhas de Andreatta não seria coroada com vitória. Seu filho Vittorio dirigia quando quebrou a direção do carro. Assim, com as falhas da carreteras, assumia a ponta Piero Gancia e sua fiel Alfa 23. Entretanto, seu tanque de gasolina se desprendeu após meia hora na liderança, jogando ao ar uma vitória potencialmente fácil. O piloto Ruggero Peruzzi se intoxicou com o forte cheiro do combustível no carro, no qual foi improvisado um desastrado tanque de plástico!  
  Chegada triunfal de Maio/Azzalin
Vista pela traseira de Maio/Azzalin
Após tantas mudanças de liderança, finalmente chegou à ponta a carretera de Justino de Maio e Vitório Azzalin, que não mais largaram a primeira posição. Justino teve boas atuações no passado, inclusive nos 500 km de Interlagos, mas não se podia dizer que era um “piloto de ponta”. Muito menos Azzalin. Mas este era o dia deles, não era o dia dos rápidos e feras. Até a Alfa 25 de Zambello, que subira muitas posições após ficar mais de uma hora nos boxes, chegando ao segundo posto, começou a apresentar muitos problemas. Assim a dupla paulista acabou ganhando a prova, literalmente na maciota, e novamente a corrida foi ganha por uma carretera. A corrida acabou sendo também o melhor resultado de Bica Votnamis numa disputa importante, pois chegou em segundo com Damiani na carretera Corvette n° 34. Em terceiro, o FNM de Pistilli e Campana, que fez boa corrida desde o começo, seguido do mítico Breno Fornari, em dupla com Nestor Kosch e a Equipe Gancia. Classificado em 16° o futuro campeão do mundo Emerson Fittipaldi, em começo de carreira com um humilde 1093. Outro fato curioso foi o apelido presunçoso do companheiro do sempre vagaroso Inacio Terrana: T. Nuvuolari(!!!!)
 
Classificação final das Mil Milhas Brasileiras de 1965 27/11/1965
Posição/Pilotos
Número/Carro
Voltas
1. Justino de Maio/Vitório Azzalim Filho
Carretera Chevrolet Corvette n° 50
201
2. Caetano Damiani/Bica Votnamis
Carretera Chevrolet Corvette n° 34
199
3. Jaime Pistilli/Leonardo Campana Filho
FNM n° 5
185
4. Breno Fornari/Nestor Koch
Carretera Simca n° 35
184
5. Marivaldo Fernandes/Emilio Zambello/Piero Gancia/Ruggero Peruzzi
Alfa Romeo Giulia n° 25
182
6. Fernando Pereira/Helio Mazza
Renault 1093 n° 75
180
7. Armando Lagoeiro/Abelardo Aguiar
Volks Porsche n° 45
178
8. Charles Marzanasco/Osorio Araujo
DKW n°19
177
9. Eduardo Celidonio/Adão Brito Daher
Carretera Gordini n° 99
177
10. Luiz Valente/Luiz Valente Filho
Carretera Ford n° 22
174
11. Luiz Felipe Gama Cruz/Coruja
Renault 1093 n° 27
173
12. Claudio Bernard/Edward Nahun
Simca n° 87
173
13. Clovis Bueno/João Batista Caldeira
Renault 1093 n° 85
172
14. Valdomiro Pieski/Expedito Marazzi
DKW n° 32
170
15. Arlindo Viginewski/Jose Vera Filho
Chevrolet Corvette n° 61
167
16. Marivaldo Fernandes/Emilio Zambello/Piero Gancia/Ruggero Peruzzi
Alfa Romeo Giulia n° 23
159
17. Marcelo Audra/Silvano Pozzi
VW Carretera n° 9
157
18. Emerson Fittipaldi/Antonio Verda
Renault 1093 n° 16
155
19. Aguia/Pardal
Gordini n° 40
149
20. Ugo Galina/Luciano Borghese
FNM n° 39
149
21. Luciano Bonnini/Chuvisco
Fiat Stanguelini n° 30
145
22. Arquimedes/Santo
DKW n° 37
143
23. Mago/Antonio Duarte
Renault 1093 n° 8
142
24. Nilo Barros Vinhais/Roberto Dal Pont
DKW Protótipo n° 20
139
25. Volante 13/Roberto G. Mendonça
DKW Mickey Mouse n° 13
123
26. Zé Peixinho/Aires Bueno Vidal
Chevrolet Corvette carretera n° 7
123
27. Catharino Andreatta/Vittorio Andreatta
Carretera Chevrolet Corvette n° 2
120
28. Ariberto Iassi/Luiz Carlos Sansone
Alfa Giulietta n° 28
122
29. Osmar Coutinho/Mario Puchielli
Carretera Ford n° 36
106
30. Roberto Argentino Gomes/Rui Santiago
Simca n° 82
106
31. Inacio Terrana/T. Nuvuolari
Simca n° 51
96
32. Jeff Gagá/Zoroastro Avon
Gordini n° 88
75


Friday, February 15, 2013

NOVAS E VELHAS CARRETERAS



Por Carlos de Paula
 
O carro híbrido é uma tradição do automobilismo brasileiro. Seja pelas condições econômicas do país, pela distância dos centros de maior desenvolvimento do automobilismo ou mesmo pela inventividade do nosso povo, o automobilista brasileiro, durante grande parte da história do automobilismo tupiniquim, procurou adaptar chassis, componentes e motores de eras e fabricantes diferentes em automóveis de competição.
 
Nos anos 30, diversos pilotos empreendedores criaram carros especiais para correr na corrida da Gávea e em outras (raras) provas, geralmente baseados em Fords, Chevrolets, Studebakers e outros carros americanos, sem muita chance contra os carros puros de competição Alfa-Romeo, Maserati, Bugatti e até mesmo Auto-Union. Estes híbridos em geral pouco se pareciam com os carros de turismo originais nos quais se baseavam. Foi nesse espírito, e calcado na experiência argentina (o Turismo de Carretera com longas corridas de estrada), que surgiu no Brasil a categoria de Mecânica Nacional, mais conhecida como carreteras. Na sua forma mais marcante as carreteras eram baseadas em cupês americanos dos anos 30 e 40, com mecânica Chevrolet, Ford, Cadillac ou Studebaker. Os motores eram V8s americanos potentes, os carros tinham uma aparência mista de  brabos e ao mesmo tempo, inócuos. Os pára-lamas eram retirados da frente, dando uma certa pinta de monoposto à parte frontal do carro, com a traseira obviamente herdada dos cupês de rua, alguns lembrando os velhos táxis de São Paulo. Os carros freqüentemente usavam diferenciais de carros de corrida, transmissão de um fabricante, motor de outro. O ponto mais fraco das carreteras era a suspensão. Nas curvas mais fechadas de Interlagos, as carreteras geralmente eram batidas por pequenos e mais estáveis Gordinis e DKWs, com um quinto da cilindrada. Na sua última fase algumas carreteras eram equipadas com poderosos motores Chevrolet Corvette, alguns dizem com mais de 400 HP, embora nos anos 50 fossem mais comuns as carreteras Ford.
 
Carretera Chervolet Corvette 18 de Camilo Cristófaro
Outra vista da 18  
Close da 18. Foto cortesia de Rogério P.D. Luz
As carreteras fizeram muito sucesso no Brasil entre as décadas de 40 até meados da década de 60.  A mais famosa, sem dúvida, foi a número 18 de Camilo Cristofaro, cor creme, e também a carretera com melhor aerodinâmica e aparência mais moderna, por ser rebaixada. Entre outras corridas, a 18 ganhou as 1000 Milhas de 1966, Camilo em dupla com Eduardo Celidônio, inúmeras provas em Interlagos, e correu até 1971. Digamos, a “18” foi a última das moicanas, e correu contra Porsches, Lolas e Ferraris na Copa Brasil do final de 1970. O próprio Camilo assumiu que a carretera já estava ultrapassada, e no ano seguinte passou a correr com um protótipo Fúria-Ferrari, depois equipado com motor Chrysler. A carretera 18 participou de inúmeras provas de longa distância em Interlagos, mas também participou de corridas curtas, sendo eficaz em ambas. Cabe salientar que a “18” não foi a única carretera de Camilo. Em 1957, Camilo correu em dupla com Djalma Pessolato em uma carretera preparada por Camilo. Na 43a, volta Djalma quase se chocou com um cavalo, freqüentes visitantes de Interlagos na época, acidentou-se, vindo a falecer dos ferimentos. O carro foi completamente destruído. A 18 não foi o único carro de corrida utilizado por ele nesta fase da sua carreira. Também correu na mecânica-continental (veja artigo)com um Maserati 250F com motor Chevrolet, Maseratis esporte, com FNM JK, e com uma Ferrari 250 GTO, na qual ganhou uma importante corrida no Rio de Janeiro, em 1965. Mais tarde, correu de Maverick na D-3 e D1, e com Chevrolet Opala, no qual fez sua última corrida em 1979. Raramente corria fora de São Paulo.
  
Carretera Ford de Breno Fornari, 1956
Outras carreteras a fazer sucesso eram as dos gaúchos, principalmente Norberto Jung, Catarino Andreatta, Vitorio Andreatta, Julio Andreatta, , Raul Fernandes, Aristides Bertuol, Italo Bertão, Orlando Menegaz, Breno Fornari, Jose Asmuz, Diogo Ellwanger, Nactivo Camozzato, Waldir Rebbeschini e Aldo Finardi. Quase todo automobilismo gaúcho dos anos 40 até meados dos anos 60 era disputado com provas de carreteras, inclusive em diversas cidades do interior. Quando o radialista  Wilson Fittipaldi pai concebeu as Mil Milhas com Eloy Gogliano, o conceito não foi abraçado com muito entusiasmo por paulistas, habituados com corridas de carros esporte e monopostos, mais curtas, em formato de GP. O jeito foi convidar os gaúchos, entusiasmados com as provas de longa duração e carros de rua adaptados, e estes, de fato, dominaram a fase inicial das Mil Milhas, ganhando cinco das primeiras seis edições disputadas. No Rio Grande do Sul, na época sem autódromo, disputavam-se muitas corridas em estradas de terra e em circuitos urbanos de rua. Norberto Jung e Catarino Andreatta foram, sem dúvida, dois grandes expoentes dessa época do automobilismo gaúcho.
  Carretera de Nelson Marcilio
Outra vista da 38 de Nelson Marcilio
Chico Landi também correu de carretera, aqui em dupla com Gimenes Lopes  
A 34 de Cateano Damiani. Esta deu trabalho para Camilo
Outros paulistas, como Caetano Damiani e Nelson Marcilio, também fizeram sucesso, assim como Justino de Maio e Vittorio Azalin, os últimos, vencedores das 1000 Milhas de 1965. No Paraná, Altair Barranco, Angelo Cunha e José Cury eram os reis das carreteras, fazendo inclusive sucesso no Rio Grande do Sul. Diversos outros paranaenses, e alguns catarinenses, participaram das primeiras edições das Mil Milhas com suas carreteras. Todos os grandes pilotos dos anos 50, e alguns dos anos 60, correram de carreteras: Chico Landi, Ciro Cayres, Celso Lara Barberis, Eugenio Martins, Fritz D'Orey, Luis Valente, Djalma Pessolato, Jose Gimenez Lopes, Godofredo Vianna, Luis Margarido, Emílio Zambello, Claudio Daniel Rodrigues, Rosalvo Mansur, Antonio Carlos Avallone, Antonio Carlos Aguiar, Afonso Aguiar. Além de outros, não tão famosos, que contribuiram para o show: Aires Bueno Vidal, Zé Peixinho, Berco Acherboim, Bica Votnamis, etc. Outros híbridos na época eram os mecânica-continental. Para mais informações (veja artigo.)
  Justino de Maio/Vittorio Azalin, vencedores das 1000 Milhas de 1965  
Uma carretera do Paraná...
Uma carretera catarinense...
...e uma carretera gaúcha
Corrida de Carreteras no Rio Grande do Sul
Corrida de carreteras em São Paulo: Nelson Marcilio (atras) x Aires Bueno Vidal (na frente)
Carretera de Argemiro Pretto, de Encantado, RS
Carretera Ford do paranaense Altair Barranco em rara aparição fora do Paraná. Subida de Montanha em Petrópolis, 1967. Foto de Tulio Mendonça Mario
Cabe aqui um parentesis. O Brasil não era, obviamente, o único país onde proliferavam híbridos. Na tradição de hot-rodding, surgiram muitos carros híbridos de competição nos Estados Unidos durante a década de 40 e 50. Geralmente, eram desenvolvidos por pilotos que não tinham cacife para comprar Ferraris, OSCAS e outros carros esporte, eram chamados de “Special”, e equipados com motores Buick, Ford, Chevrolet, etc. A Argentina, segundo vimos, foi o berço das carreteras na forma em que passamos a conhecer aqui. Como o nome indica, eram carros adaptados para correr em “carreteras”, ou seja, estradas, as épicas corridas de longa distância que cortaram o continente sul-americano – portanto, além de rápidos tinham de ser forçosamente resistentes. De fato, as carreteras não se expandiram só no Brasil, mas também no Uruguai, Peru e Chile. Híbridos argentinos participaram, em massa, da segunda edição dos 1000 km de Buenos Aires de 1955, obviamente sem nenhuma chance contra oponentes europeus (veja artigo). Mas assim marcaram sua presença no automobilismo de nível internacional. Com o passar do tempo, as carreteras argentinas foram se modernizando, e, de fato, ainda existe a categoria Turismo de Carretera (TC) na Argentina, mas os carros em nada parecem seus precursores, que obtiveram uma aparência mais moderna já durante a década de 60.    
 
Carretera argentina dos anos 40
Nos anos 60 as carreteras argentinas já não se pareciam mais com carreteras...
Entre as carreteras tradicionais, corriam também alguns outros carros de menor porte, como DKWs e até mesmo Gordinis, com os pára-lamas removidos ou cortados, e às vezes até o teto rebaixado, que os excluía da categoria turismo. Com a remoção de lataria ficavam mais leves, e assim, mais rápidos. Por correr na categoria Força Livre (outro nome para as carreteras), os preparadores tinham mais liberdade para modificar os veiculos. Alem disso, principalmente nos últimos anos da categoria, não havia carros V8 suficientes para preencher mesmo um grid pequeno, daí o artifício. A própria equipe Vemag tinha sua carretera, o DKW Mickey Mouse do Volante 13, que, entre outros, um dia teve a distinção de ser pilotado por um certo Juan Manuel Fangio em Interlagos. E a equipe de fábrica da Simca ganhou os 1600 KM de Interlagos de 1963, com Jaime Silva/ Ciro Cayres, com uma carretera Simca, de duas portas e teto rebaixado, batendo os experts Andreatta/Breno Fornari. 
Fangio pilotando a Mickey Mouse da Vemag, em Interlagos
 Além disso, construíam-se carreteras com motores de menor potência, por exemplo, a carretera Fiat usada por Emilio Zambello no início da sua carreira, que fez bastante sucesso. Nas corridas de carreteras também corriam Alfas importadas, Volvos, Fiats, etc. Só que estes carros geralmente não eram híbridos, pois toda sua parte mecânica e carroceria pertenciam a um único fabricante. Digamos que foi necessário ampliar um pouco a definição do termo para garantir a sobrevivência da categoria.
 Mas dentro desse mesmo “espírito híbrido”, Christian Heins e Eugênio Martins colocaram um motor Porsche 1600 num humilde Fusquinha, e quase deu zebra na primeira edição das Mil Milhas, em 1956, contra forte contingente de carreteras do Sul e de São Paulo. Chegaram em 2o. Lá pelos idos de 1966, as carreteras começavam a se tornar anacrônicas, apesar da vitória de Camilo/Celidônio nas 1000 Milhas. Mas outro carro com espírito híbrido fez muito sucesso naquele ano: os Karmann Ghias equipados com motor Porsche, da Equipe Dacon, híbrido que apareceu nas pistas pela primeira vez em 1964 e é muito lembrado até hoje.
 Com o surgimento da Divisão 3 e Divisão 4, basicamente os híbridos ficaram deslocados, não tinham onde correr. Não eram carros turismo, nem tampouco, esporte-protótipos. E assim foram desaparecendo, pouco a pouco, do cenário das competições. Mas não no automobilismo de rua. Amantes de carros antigos brasileiros, principalmente Simcas e Gordinis, adaptaram motorizações híbridas nos seus carros, entre outras coisas, por falta de opções. Com o passar dos anos, tornou-se quase impossível arranjar peças e blocos de Simcas, DKWs e Gordinis. Assim que não é incomum ver Simcas rodando com motores Opala, Gordinis com motores Corcel adaptados e DKWs sem o típico bu-pu-bu do motor 2 tempos. O espírito dos híbridos permaneceu no coração brasileiro.  
  Carretera Fiat de Luis Finotti - Interlagos, 2004 - As carreteras Vivem!!
Não é de se estranhar que tenha surgido uma categoria de competição com esse espírito, em São Paulo. O campeonato de Autos Antigos de 2004 já conta com 30 participantes, desenterrando e trazendo de volta às pistas Berlinettas Interlagos, DKWs, FNMs JK, Fuscas, Pumas, Gordinis, carreteras, etc. O campeonato difere do Campeonato de Clássicos, também corrido em São Paulo, que conta com a participacão de diversas Alfas GTA. Muitos desses carros são carros de turismo, embora antigos, mas diversos são verdadeiras carreteras, embora não haja nenhuma no molde “Chevrolet Corvette V8”. A categoria tem três subcategorias, 1, 2 e 3. Um dos carros mais fortes da categoria é um Willys Interlagos equipado com motor Ford Escort, pilotado pelo veterano Luis Evandro Águia. Um dos DKWs, o de Nivaldo Almeida, se enquadra bem no espírito híbrido: é equipado com um motor AP, em vez do venerado 2 tempos de 1 litro. E a Fiat Topolino de Luis Finotti é uma verdadeira mini-carretera. Vejam as fotos a seguir. Ou seja, as carreteras ainda vivem em São Paulo!
Interlagos com motor Ford Escort, de Luis Aguia - Carretera 2004 style
Quem diria, em pleno 2004 um DKW correndo em Interlagos. Carretera de Flavio Gomes  
VELHAS CARRETERAS GOZANDO APOSENTADORIA...
      

O CAMPEONATO BRASILEIRO DE MONTANHA DE 1967


Por Carlos de Paula
 
Seria injusto dizer que os cartolas do automobilismo brasileiro pelo menos não tentavam fazer as coisas. Mas numa época em que o País finalmente contava com dois autódromos (Interlagos e Rio), com um terceiro em vias de ser inaugurado naquele ano (Curitiba), e com a programação de uma categoria de monopostos que tinha tudo para dar certo, a Fórmula Vê, os dirigentes decidem criar um Campeonato Brasileiro de Subida de Montanha para 1967. Haja paciência!
 
As corridas de subidas de montanha são muito populares na Europa até hoje, principalmente na Itália, Alemanha, França e Inglaterra. Só que na  época, a modalidade tinha muito mais prestígio do que hoje, contando com equipes de fábrica da Ferrari e Porsche, entre outras, e revelando pilotos de categoria, como Lodovico Scarfiotti, Gerhard Mitter, Rolf Stommelen, Dieter Quester, Arturo Merzario, e uma longa lista. No Brasil, apesar de termos a Serra do Mar, e da intensa falta de autódromos na época, a categoria nunca pegou. Realizaram-se algumas provas já nos anos 30, uma das quais foi ganha pelo Barão Hans Stuck. Petrópolis era um dos locais prediletos, e até a Serra de Santos fora usada em corridas da modalidade.
 
Portanto, foi com certa surpresa que, do nada, apareceu um Campeonato Brasileiro de Subida de Montanha, em 1967.
 
A vantagem desta modalidade é o fato de as corridas não causarem muito desgaste nos carros. Normalmente, os bólidos passam só alguns minutos correndo. Na maioria das provas, o carro tem duas oportunidades de marcar tempos, em outros o uma, e a grande maioria dos traçados não excede dez minutos.  Outra vantagem é que a subida de montanha é um resquício das grandes provas de velocidade em estrada, que estavam caindo em desuso no Brasil. Por ter traçados mais curtos, criavam menos inconveniência  e perigo.  A desvantagem é que são corridas contra o tempo, não há disputas entre carros na pista, e a maioria dos espectadores boiava completamente.
 
A simpática carretera 99 de Eduardo Schrappe
A primeira prova do glorioso torneio foi realizada na Serra da Graciosa, no Paraná. A pista tinha trechos em asfalto, e paralelepípedo, incluindo uma ponte perigosa, com o curioso nome de Mãe Catira, e após a subida da serra, seguia-se um trecho plano, com diversas curvas de alta velocidade. A prova, oficialmente chamada “Paulo Pimentel” (mais de uma prova foi chamada Paulo Pimentel, como opor exemplo, a prova do Rodovia do Xisto, em 1968), atraiu concorrentes de São Paulo, como a forte equipe Willys e a Equipe Jolly Gancia, mas a maioria dos concorrentes era local. Entre os paranaenses, destacava-se a equipe Transparaná, com Ettore Beppe, e as carreteras de Altair Barranco e Ângelo Cunha.
 
23 carros participariam da prova, mas dois, um Simca de Bruno Castilho, e um Interlagos de Luiz Gastão Ricciardella, tiveram problemas.
 
A prova transcorreu sem problemas, e foi ganha por Luiz Pereira Bueno, com o Alpine 1300 n° 47, seguido de Bird Clemente, com o 46. O melhor paranaense foi Beppe, que chegou em 3° com seu Interlagos da Transparaná, seguido da primeira carretera, com Altir Barranco, em 4°. Zambello só conseguiu o 7° lugar, com a Alfa Giulia TI n° 23, e Ângelo Cunha desapontou um pouco, obtendo somente o 8° lugar,
 
Col.
N°
Piloto
Carro
Tempo
1
47
Luiz Pereira Bueno
Alpine 1300
17m43s957, média 106,245 km/h
2
46
Bird Clemente
Alpine 1300
18m16s589
3
101
Ettore Beppe
Interlagos
19m5s933
4
45
Altair Barranco
Carretera Ford
19m19s836
5
99
Eduardo Schrappe
Carretera Chevrolet
19m24s736
6
103
Carlos Colli Monteiro
Gordini
19m44s185
7
23
Emilio Zambello
Alfa Giulia TI
20m4s6007
8
74
Ângelo Cunha
Carretera Ford
20m7s451
9
104
Bernardo Trindade Filho
Gordini
2om42s495
10
105
Marcos Jose Olsen
Gordini
20m45s334
 
A segunda, e última corrida do campeonato se deu em Petrópolis. Não surpreendeu o fato de uma das etapas do campeonato, a ser disputada em Belo Horizonte, não ter sido realizada. Não havia um único campeonato da época que não tinha provas canceladas, portanto, o cumprimento de 2/3 do calendário causou surpresa!
 
O trecho escolhido foi entre os quilômetros 9 e 19 da Estrada Rio-Petrópolis, palco de diversas corridas do tipo no passado, e contou com a participação de diversos pilotos do Estado do Rio, de São Paulo, e até mesmo do paranaense Altair Barranco, que trouxera a sua Carretera Ford de Curitiba. A Willys comparecia novamente, estreando os protótipos Mark I, pilotados por Luisinho e Bird, e numeração diferente, agora 21 e 22. Entre os inscritos, três carros de Fórmula Vê, para Nelson Basto, Antonio Pinto de Sousa e Jofre Gomes, todos três do Rio, e nenhum deles piloto de expressão da categoria. Zambello comparecia novamente, agora com a Alfa GTA número 23, e Mario Olivetti inscreveu a sua Alfa 65. João Varanda inscreveu seu Karman Ghia Porsche. Além disso, estavam presentes diversos Fuscas, DKWS, KGs, um Malzoni e Gordinis.
 
Os Mark I ja estrearam ganhando. Aqui o 22 de Bird.
Os Mark I eram de longe os melhores carros da provam, e a ganharam com certa facilidade. O tempo de Luisinho foi 4 segundos mais rápido do que o de Bird, que por sua vez, foi 4 s mais rápido do que o de Olivetti. O paranaense Barranco chegou em 5°, atrás do primeiro Fórmula Vê, o Sprint de Nelson Bastos. Zambello demonstrou não se adaptar bem às provas de subida de montanha, chegando somente em 9° lugar, atrás dos outros Fórmula Vê, separados por somente 1/10 de segundo!
 
O resultado final da prova foi:
 
Col.
N°
Piloto
Carro
Tempo
1
21
Luiz Pereira Bueno
Prot Willys Mark I
6m13s 1/10 média 96,514 km/h
2
22
Bird Clemente
Prot Willys Mark I
6m17s
3
65
Mario Olivetti
Alfa GTA
6m21s4/10
4
1
Nelson Bastos
Sprint Vê
6,m45 1/10
5
45
Altair Barranco
Carretera Ford
6m48s
6
7
João Varanda
Karmann Ghia Porsche
6m50s1/10
7
37
Antonio Pinto de Souza
Jaja-Vê
6m54s
8
69
Jofre Gomes
Sprint Vê
6m54s1/10
9
23
Emilio Zambello
Alfa GTA
6m57s 4/10
10
9
Giovanni Bianchi
Malzoni
7m,03s 2/10
  
Luisinho foi campeão disparado do primeiro, e último, Campeonato Brasileiro de Subida de Montanha.