Tuesday, February 12, 2013

A última vitória de uma carretera no Brasil



Durante muitos anos as carreteras dominaram as corridas no Brasil. No sul do País eram quase hegemônicas até meados dos anos 60, sendo que os potentes híbridos só deixaram de ganhar uma das edições das Mil Milhas Brasileiras até 1966. Em 1970, entretanto, os tempos eram diferentes. Os poucos cupês Ford e Chevrolet ainda em atividade no Brasil nem eram mais chamados Carreteras, e sim protótipos, demonstrando aversão ao anacronismo dos carros. A grande maioria dos V8 havia sido aposentada . As carreteras foram substituídas por carros domésticos mais recentes, como o Opala e Fusca, uma armada de protótipos com mecânica VW, Pumas, sedãs estrangeiros como Alfa e BMW e verdadeiros bólidos, como a Alfa P33, Ford GT40 e Lola T70. O fim das carreteras estava próximo, não havia mais lugar para elas.

O LAMBORGHINI MIURA DE ALCIDEZ DINIZ, BATIDO PELA DEZOITO...

Um dos grandes expoentes das carreteras no Brasil, e indubitavelmente, o maior em São Paulo, era Camilo Christófaro. Vencedor de inúmeras disputas nos anos 50 e 60, Camilo ainda insistia com a sua famosa carretera creme, número 18, equipada com motor Chevrolet Corvette. A última vitória do carro, e a mais prestigiosa, fora nas Mil Milhas de 1966. Daí por diante, Camilo continuou a usar o carro em corridas em Interlagos, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul, entre outros. Sem ganhar. Camilo gostava dos V8. Até tentara se enfronhar na modernidade, correndo uma vez com BMW em 1968, mas apesar de ter corrido na equipe semi oficial da FNM e com Ferrari, a paixão de Camilo era o V8 Chevrolet, montado nas suas carreteras e carros de mecânica continental.


Naquele ano, vez por outra ainda aparecia uma carretera nas corridas. Nelson Marcilio, Antonio Versa, Alfredo Santilli, às vezes inscreviam seus carros em provas de longa duração, e Ângelo Cunha inscrevia a sua em provas no Paraná. Mas era a 18 de Camilo a única que ainda nutria alguma esperança de bom resultado. De fato, nos 500 Km de Interlagos de 1970, prova realizada no anel externo de Interlagos, Camilo chegou a perturbar os líderes.


A grande vantagem das possantes carreteras estava nas retas, daí a competitividade no anel externo da pista paulista. Só que a grande maioria das corridas no Brasil ocorria em circuitos fechados de baixa velocidade, com muitas curvas. O anel externo de Interlagos era uma exceção. Nas curvas até a baixinha 18 de Camilo era desengonçada, o que falar das outras, menos preparadas e mais altas.


Pois bem. Interlagos ficara fechado entre 1967, após as Mil Milhas, e o começo de 1970, na etapa Paulista do Torneio BUA de Fórmula Ford. Nesse ínterim, a única prova automobilística realizada no Estado inteiro fora uma corrida de Fórmula Vê em Campinas, em 1968. Era de se esperar que algum outro tipo de manifestação automobilística surgisse em vias públicas, para suprir essa lacuna deixada por Interlagos fechado, mas não foi esse o caso. Curiosamente, depois que Interlagos abriu, passaram a se realizar provas de Recordes em Estradas e nas Avenidas Marginas de São Paulo. De fato, o evento fora realizado três vezes entre 1970 e 1971, sendo que a primeira etapa fora ganha por Bird Clemente, com um Opala, na Rodovia Castelo Branco.


Na segunda edição do festival de Recordes, realizada na Avenida Marginal do Rio Pinheiros no final de 1970, quinze concorrentes compareceram para tentar levar o caneco, e quem sabe, bater o recorde de Bird do começo do ano, 232,510 km/hr no quilometro lançado. Alguns dos carros inscritos não eram habitués das corridas em Interlagos, e pelo menos um já tinha sido aposentado há anos. Na primeira categoria, um Galaxie com imenso motor de sete litros, preparado pela Equipe Bino e pilotado por Luis Pereira Bueno. O Galaxie, lançado em 1970, não havia sido usado nas corridas brasileiras por ser um carro de imensas proporções, impróprio para as pistas brasileiras (não fazia feio em ovais, entretanto). Quando já estava em vias de ser tirado de linha, passou a ser usado na categoria Turismo 5000, mas em 1970, era impossível pensar em um Galaxie de corrida. Mas numa corrida de recordes o que vale é velocidade em reta, que se danem as curvas.

Assim, apareceram outros bólidos interessantes. Luiz Landi, filho do grande Chico, foi inscrito em uma já aposentada Ferrari Monza equipada com motor Corvette. Antonio Versa também compareceu com uma carretera com motor Corvette de 4,5 litros. O único Opala inscrito fora o de Carlos Alberto Sgarbi, com motor de 4 litros. Eduardo Celidonio apostava no seu Snob’s Corvair, apesar do motor de baixa potência e cilindrada (2,6 litros), ao passo que Expedito Marazzi aparecia com um protótipo VW, que na verdade era um Lorena Spyder. Aldo Pugliese inscreveu um Puma com motor de 1,6 litros, e Salvatore Amato veio com seu Amato-Ford. Stanley Ostrower correu com o protótipo Kinko’s VW, e diversos VW foram inscritos, obviamente sem nenhuma aspiração à vitória geral: Anatole Cirello Junior, Célio Huggermeyer Junior, Josil Jose Garcia e Luiz Filinto Jr. E mais duas vedetes.

Camilo colocou um motor de 450 HP e 5,3 litros na sua carretera, alegando ter um motor ainda mais possante na garagem, mas garantindo que esse dava para o gasto. Para essa prova, Camilo sabia que seu carro teria chances de vitória, pois a maioria dos outros concorrentes era bem fraca, apesar de outros dois Corvettes terem sido inscritos. Na reta o Corvete não faria feio, como nunca fez no retão de Interlagos.

A grande questão era a outra vedete. Alcides Diniz era um dos herdeiros do Grupo Pão de Açúcar, que tinha se apaixonado pelas corridas naquele ano. De fato, ele e seu irmão Abílio foram responsáveis pelas duas últimas vitórias das Alfas da Equipe Jolly, nas 1000 Milhas de 1970 e nas 12 Horas de Interlagos de 1971. Mas Alcides não veio com Alfa: pegou pesado, inscreveu um Lamborghini Miura de 4 litros. Os mais afoitos dirão, com razão, que os Lamborghini não eram carros de corrida. Na realidade, embora sejam fabricados há mais de 40 anos, só recentemente um Lamborghini ganhou uma corrida importante. Tudo isso é certo: os Lamborghini de fato não eram bons de pista, mas sempre tiveram excelente velocidade em linha reta. E isto bastava nesse caso.


No dia da corrida o bólido laranja italiano fez muito sucesso. O público até invadiu a pista, querendo tocar a estranha aparição. E havia gente na Marginal naquele dia, dizem que havia 40 mil pessoas no local. Esses números são sempre exagerados, mas mesmo 20 mil pessoas dariam trabalho.


O Galaxie, que em tese poderia estragar a festa devido ao monstruoso motor e excelente piloto, só conseguiu uma média de 198,192 km/h. O Lamborghini esteve entre os primeiros a largar, deleitando a platéia com o som delicioso do motor V12 e grande velocidade, alcançando a média de 224,413 km/hr. Parecia que o bólido italiano venceria a prova, apesar de Alcides indicar que teve problemas com o trambulador de câmbio do carro, que lhe casou problemas para trocar da quarta para a quinta marcas.


A 18 não deixou por menos. Camilo entrou no km lançado a 218 km/hr. Na primeira passagem, Camilo fez só 231,213 km/hr, em 15,575 segundos, ou seja, uma velocidade inferior à obtida por Bird Clemente com o Opala. Ainda daria para ganhar do Lambo, mas o recorde ficaria com Bird. No trajeto de volta, Camilo fez um esforcinho a mais, e conseguiu a média de 242,261 km/hr, fazendo uma média de 236,737 km/hr. Qual foi a velocidade máxima da carretera naquele dia? 268 km/hr, a 6700 rpm! Nada mal.


Pois o feliz Camilo conseguiu bater o chique Lamborghini, e ainda por cima, ficou com o recorde brasileiro de velocidade. A última, e merecida vitória de uma carretera no Brasil.


1 Camilo Christofaro, Carretera Chevrolet Corvette 5,3 litros, 236,737 km/hr
2.Alcides Diniz, Lamborghini Miura 3929 cm3 224,413 km/hr
3 Luis Pereira Bueno, Ford Galaxie 7 litros, 198,192 km/hr
4 Eduardo Celidônio, Snob’s Corvair 2,6 litros, 194,886 km/hr
5 Luiz Landi, Ferrari-Corvette 4 litros, 192,978 km/hr
6 Carlos Alberto Sgarbi, Chevrolet Opala 4 litros, 189,074 km/hr
7 Aldo Pugliese, Puma VW 1600, 177,572 km/hr
8. Expedito Marazzi, Prot. Lorena VW 1600, 174,900 km/hr
9. Antonio Versa, Carretera Chevrolet Corvette 4,5 l, 174,832 km/hr
10. Anatole Cirello Junior, VW 1600, 171,635 km/hr
11. Salvatore Amato, Amato-Ford 1600, 170,843 km/hr
12. Stanley Ostrower. Kinko VW, 168,564 km/hr
13. Célio Huggemeyer Jr, VW 1600, 150,226 km/hr
14. Josil Jose Garcia, VW 1600, 145,246 km/hr
15. Luiz Filinto Jr, VW 1600, 141.312 km/hr
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1 comment:

  1. Amigo, li em algum lugar que essa carretera do Cristófaro foi construída com um chevrolet 37. Tem mais informações sobre como isso teria sido feito?

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